domingo, 22 de março de 2015

O BRASIL, COMO ESTADO LAICO E A LEI QUE OBRIGA MANTER EXEMPLARES DA BIBLIA CATÓLICA EM BIBLIOTECAS PÚBLICAS (escrito em 22/03/2015)

O Brasil atual é um Estado laico, ou seja leigo, diferindo do Estado religioso, no qual é adotada uma religião oficial, pela própria Constituição Federal.
                
Nem sempre foi assim, pois a Constituição Imperial brasileira de 1824, em seu artigo 5º, dispunha: “A Religião Cathólica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo”.
                
Atualmente, por força do artigo 19, I da Constituição Federal, o Estado e entes federativos são proibidos de adotarem uma religião oficial. Para melhor elucidar, o destaque do texto legal atual é relevante, a saber: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
                
Portanto, Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da sua própria constituição. Na mesmo medida, embora laico, o Estado brasileiro, de acordo com a sua Constituição, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não crença, sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial.
                
Ultimamente, alguns Municípios têm, através de seu processo legislativo, editado leis municipais que OBRIGAM AS BIBLIOTECAS PÚBLICAS EM MANTER BIBLIAS CATÓLICAS EM SEU ACERVO, seja em número único, ou em quantidade maior, levando-se em conta a conhecida maioria católica presente no Município.
                
O propósito, segundo dizem, é possibilitar acesso ao texto bíblico àqueles que não possuem condições de adquirir o livro sagrado dos católicos.
                
Imediatamente vozes contrárias surgiram, sustentando a inconstitucionalidade das referidas Leis Municipais, fundamentado no art. 19, I da Constituição Federal em vigor e no fato de não poder o Estado adotar uma religião, sendo que, ao obrigar as bibliotecas públicas manterem a Bíblia católica em seus acervos, estariam adotando a religião católica como oficial, privilegiando-a.
                
Segundo noticiado pela imprensa nacional, o Procurador Geral da República estaria ingressando com ação direta de inconstitucionalidade das referidas leis, respaldando seu pedido no art. 19, I da Constituição Federal e na necessidade do Estado e entes federativos, dos quais o Município faz parte, ser laico.
                
Em que pese ser relevante a discussão, entendemos que o Poder Judiciário não pode confundir o ESTADO LAICO, com o ESTADO ATEU.
                
Significa dizer que em que pese ao Estado brasileiro não ser permitido possuir uma religião oficial, não significa que deve simplesmente abolir a divulgação ou compreensão de religiões em bibliotecas, pois estaria violando outro direito fundamental, estampado no art. 5º, VI da própria Constituição, a saber: “Art. 5. VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”.
                
Em que pese complexa a matéria, sob o ponto de vista jurídico, entendemos ser indispensável à sociedade, ter disponibilizados exemplares de todas as religiões em bibliotecas públicas, que podem inclusive receber doações, para que a população possa buscar os ensinamentos religiosos de seu culto ou crença de forma independente e livre.
                
Assim, o argumento para sustentar a inconstitucionalidade das Leis Municipais referidas, não nos parece o melhor, pois nestes casos o Estado ou entes federativos através da lei não escolheram a religião católica como oficial, pois não podemos entender o Estado como ateu, mas apenas um Estado é laico.
                
Os membros do Poder Legislativo Municipal, por seu turno, devem readequar referidas leis a evitar discussões jurídicas, por vezes intermináveis, permitindo sejam disponibilizados exemplares de toda e qualquer religião, sem dar preferência a qualquer delas, pois certamente entre os munícipes existem em maior ou menor número, adeptos de uma ou outra religião.
                
As religiões que se sentirem lesadas, por seu turno, podem buscar no poder judiciário, prevalecer o direito ao credo de seus adeptos, obrigando os entes federativos a manter em suas bibliotecas os livros sagrados ou escrituras de suas crenças religiosas.
                
Devemos pensar no bem da sociedade e na liberdade de crença religiosa, sem preferências ou limitações, atingindo, assim, o objetivo social que é a convivência harmônica entre todos, independentemente de seu credo.


José Antônio Cordeiro Calvo

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