quarta-feira, 10 de junho de 2009

RASTREAMENTO DE VEÍCULOS, A SOCIEDADE EM RISCO E A INVASÃO DE PRIVACIDADE

Recentemente a sociedade brasileira tomou ciência da decisão governamental no sentido de exigir das montadoras de veículos automotores que todos os carros saiam de fábrica com um “chip” de computador que possibilite o seu rastreamento.

Referida medida, certamente de interesse das montadoras e seguradoras, tem como “pano de fundo” a pseudo “segurança da sociedade”, pois na hipótese de eventual furto ou mesmo seqüestro de seus ocupantes, poderia o proprietário ou sua família acionar uma empresa contratada para proceder à localização do referido.

Não bastasse isso, visando afastar a interpretação de violação do direito a privacidade, estabeleceu-se que somente o proprietário do veículo ou pessoa por ele indicada poderia autorizar o respectivo rastreamento, impossibilitando assim o mapeamento constante do mesmo.

Em que pese reconhecermos a necessidade de regras visando dar mais segurança aos cidadãos, vislumbramos na medida governamental um risco maior à sociedade, não tendo sido objeto de reflexão mais apurada para que pudesse ser posta em prática.

A Constituição Federal, em seu artigo 5,inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, a honra e a sua imagem, direitos esses fundamentais e inabaláveis.

Entendemos que o rastreamento de veículos pode facilmente se transformar em rastreamento de pessoas disfarçado e com isso estaremos diante da afronta a intimidade, vida privada e a liberdade, direitos elevados a um patamar tão elevado que uma vez violado, o próprio Estado de Direito corre risco.

O rastreamento de veículos é entregue as empresas, cuja operação dos sistemas de informações via satélite, são delegadas a pessoas (seus empregados) e como tal, são falíveis, passíveis de corrupção, na medida em que podem sucumbir a tentação do lucro fácil ou mesmo ao prazer que poucos tem de bisbilhotar a vida de outrem.

Nem se diga que a medida contempla a exigência da autorização do proprietário, quando na realidade tecnológica, independentemente dessa autorização, há condições de rastreamento, pois o “chip” estará instalado de fábrica e assim, emitirá sinais constantes para ser reconhecido quando a empresa e seus funcionários tiverem interesse.

Tratar com seres humanos é ter a possibilidade de que alguns não trilhem no caminho desejado da ética, seriedade e honestidade. Sendo assim, inegável o risco que a sociedade corre ao possibilitar o rastreamento de veículos – e de conseqüência de seus condutores – vindo de fábrica, sem que o proprietário autorize sua instalação.

Estamos abrindo a possibilidade de nossas vidas (incluindo cônjuge, filhos ou quaisquer pessoas que utilizem os veículos e não simplesmente o conduzam) serem monitoradas, com possibilidade de, na eventualidade de um deslize ético de pessoas vinculadas a empresas responsáveis pelo rastreamento, sermos localizados em qualquer lugar, com possibilidade dessa informação ser direcionada ou vendida a bandidos ou terceiros que tenham interesse na informação.

O simples fato da diminuição do risco e do custo dos seguros, em virtude da possibilidade de localização de veículos em caso de furto ou roubo, não deve suplantar o risco do monitoramento de pessoas decorrente do monitoramento dos veículos, pois nossa sorte estará entregue as empresas que muitas vezes nem conhecemos, cujas informações são acessadas por seres humanos, seus funcionários, passíveis de caírem em tentação.

Por tudo isso, a medida governamental deve ser revogada ou declarada inconstitucional, pois nada justifica o risco da sociedade, bastando para tanto ser alterado seu texto, exigindo ao proprietário do veículo autorização prévia e expressa para a introdução do mecanismo de rastreamento, e ainda assim, quando autorizado, seja o cidadão informado quem vai tratar as informações de e que forma, para que a qualquer tempo tenha a liberdade de buscar o desligamento ou retirada do mecanismo.

Impor à sociedade a ditadura da tecnologia, para atender a interesses corporativos de montadoras e principalmente de seguradoras, sem medir conseqüências, é no mínimo um golpe na liberdade do cidadão brasileiro e no Estado de Direito.

Como defensores dessa liberdade, cabe a Ordem dos Advogados do Brasil e aos advogados em particular, invocar a norma pétrea constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada para atacar a regra por ser inconstitucional, enquanto o próprio governo, através do seu órgão legislativo e executivo não o faz. Lutar com argumentos e fundado na Constituição é preciso.

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